Páginas

Apenas uma página em branco

Sou uma página em branco
Nenhuma palavra escrita
Nenhum desenho
Nem mesmo um rabisco feito enquanto se fala ao telefone.
Mas isso não significa que seja papel virgem
Há marcas de histórias já vividas
Sussurradas na escuridão de noites intermináveis, de dias infindáveis
Momentos remotos gravados de um tempo longínquo
Cada dia se faz presente para que se inicie novos contos, poemas, sonetos...
A página se apaga, mas não totalmente; talvez a borracha usada não seja tão boa
É visível as marcas da caligrafia...
Ora em sulcos profundos, ora suaves lembranças, quase imperceptíveis
Quase...
Em alguns pontos do papel, nota-se que as histórias se misturam formando um texto ininteligível, estranho, quase fictício
Há tempos nada de interessante é escrito...
Apenas anotações de fatos ocorridos por terceiros, visualizados por olhos já cansados de ver a vida passar
Percebo agora, que me tornei espectadora da viva que levo
Que essa página em branco serve apenas para registrar momentos vistos...
Não sei exatamente quando parei de anotar as minhas experiências
Creio que foi quando deixei de acha-las interessantes, talvez até superficiais ou quando cansei de viver,
porque deixar de viver não é apenas quando o corpo morre, é também quando a alma vai se perdendo, quando se liga o botão do automático...
Em meio a tantas anotações escritas e depois apagadas, não me recordo como desligar esse botão,
como assumir o controle de mim mesma
Atualmente infinitas palavras são escritas e apagadas automaticamente antes que eu realmente as leia, analise, interprete ou simplesmente vire a página e comece novamente em uma folha realmente em branco...

Análise Vomitada

Cabeça latejando
Coração arrítmico
Vias aéreas congestionadas
Costas arcadas
Lombar dolorida
Quadril endurecido
Pernas sem forças
Pés cansados
De sustentar toda essa carne
Grudada nos ossos velhos
E que teima em acreditar
Que ainda vive...
Só porque o coração
Ainda bombeia
Só porque o sangue circula
Nas veias gordurosas
Só porque os pulmões ainda inflam
Os rins ainda filtram
Enquanto os
Intestinos preparam
Toda a merda
Que foi engolida sem mastigar
Até ser eliminada numa privada
Imunda...
Tudo isso controlado por
Um cérebro que se acha no controle
Mas que há tempos vive no automático
Vive...
Certeza que isso é viver?

(Patrícia Machado)
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